Tá permitido gostar de porcaria

Na língua inglesa há o termo guilty pleasure – pronuncia-se “guilti pléjor” –, usado para se referir a um tipo de prazer culpado, algo que fazemos ou gostamos, mesmo sabendo que é considerado de má qualidade por especialistas no assunto, algo que não confessamos com facilidade por saber que tal prática jamais passará sem críticas, bons contra-argumentos e contraindicações.

Não há como fugir dos guilty pleasures, afinal, são bilhões de pessoas, com diversos gostos e desejos, necessidades e motivações. Quantos sucessos de bilheteria foram massacrados pela crítica? Mas quando a gente só quer desligar os pensamentos e curtir uma bobajada a opinião da crítica deve contar?

O primeiro passo para não se sentir mal com os seus gostos é lembrar que vivemos numa sociedade onde muitos se sentem melhores ao inferiorizar os outros. Às vezes é por motivos mesquinhos, mas às vezes é involuntário. É natural olharmos para os lados e nos certificarmos de quem está ouvindo quando admitimos um guilty pleasure, mas, oras, também é natural tê-los.

Vai dizer que não tem um filme conforto que todo mundo acha ruim?

Os exemplos vão desde comer pizza com feijão, curtir as músicas do Belo enquanto lava louça ou achar filmes do Steven Seagal obras inspiradoras até casos mais extremos como ter fantasias sexuais com unicórnios.

Mas o que escolhemos assistir, ler – consumir de modo geral – ou o que, de forma inofensiva a qualquer outra vida, nos sentimos bem fazendo em nossa privacidade, realmente nos define?

Por qual razão quem escolheu ler “A Divina Comédia” é melhor do que quem escolheu ler “Cinquenta Tons de Cinza”?

Por qual razão é mais comum considerarem inteligentes e versados na sétima arte quem faz referências a “Casablanca” ou “O Poderoso Chefão” e fazerem pouco de quem usa “Velozes e Furiosos” como exemplo numa conversa?

É justamente a escolha de ter contato com qualquer que seja a obra que torna a opinião interessante e automaticamente questionável. Essa separação só contribui para o pedantismo tão comum no ambiente acadêmico – e agora até na internet.

Mas esse contato sem impedimentos com tudo que é obra devia ser celebrado, afinal, não sabemos das razões dos outros. Aliás, muitas vezes pouco sabemos das nossas razões, talvez por reprimirmos memórias e vontades ou por não sentirmos vontade de conhecer algo novo e diferente. O que é um tanto bobo visto que são justamente coisas como um guilty pleasure que nos tornam diferentes, que provam nossa singularidade. Nossa capacidade de não racionalizar absolutamente tudo, mas não aceitarmos qualquer coisa.

Essa pérola aqui é atemporal!

A crítica especializada em cinema é uma comunidade que estudou todas as minúcias da execução dessa arte e divulga sua análise – que não deixa de ser opinião, uma vez que há divergências até mesmo entre seus pares – recomendando ou não algo por meio de uma nota ou um texto em diversas mídias.

São especialistas falando sobre o que consumimos, há de se levar em conta sua opinião. Mas assim como um conselho que damos pode funcionar muito bem para um amigo, pode não funcionar para outro. Porque no fim, só você sabe das suas razões e a única opinião que importa é a sua porque a escolha, pasme, foi sua.

Também é frequente o pré-julgamento em forma de careta ou comentários negativos ao ouvirmos alguém falando de algo que não consideramos bom. Quando isso acontecer, há duas perguntinhas e alguns comentários que podemos nos fazer antes de assumirmos qualquer postura.

  • 1 – Isso tem impacto na minha vida? Se sim, bem, eu deveria dar a essa pessoa a chance de dar sua opinião, assim como quero mostrar a minha.
  • – Será que essa pessoa não está procurando ter suas próprias impressões sobre algo? Talvez ela também ache ruim e possamos ser amiguinhos. Ou talvez ela encontre algo que eu não tinha percebido e me mostre sob uma nova perspectiva.

Somos ensinados a obedecer e não a questionar, logo, odiamos o que nos dizem que é odioso e amamos o que nos dizem que é digno de amor, reprimindo nossas dúvidas e gostos. Mas talvez – e isso é um grande talvez – o mundo não gire ao redor de nossas mentes e umbigos.

Talvez novos mundos se apresentem se nos abrirmos e considerarmos que podemos estar errados. Talvez ir ao cinema sozinho assistir filme de monstro gigante se batendo seja a melhor coisa do seu dia.

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Tico Menezes

Professor, escritor, roteirista e mochileiro de páginas de livros e HQs. Dentre os ares que respira, cinema é um dos mais saudáveis.

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