Todd Haynes sobre 30 anos do New Queer Cinema

Em entrevista ao EW, o cineasta Todd Haynes (Longe do Paraíso; Carol) falou sobre o movimento do Novo Cinema Queer.

(Entrevista publicada originalmente na Entertainment Weekly e traduzido por Melissa Piroutek)

Com o fim do Mês do Orgulho, o cineasta Todd Haynes parece abalado. “É um dia difícil”, diz ele por telefone – apenas alguns minutos antes, surgiram notícias sobre a Suprema Corte derrubando Roe v. Wade, colocando em risco o futuro das liberdades LGBTQ.

Mas Haynes, 61, parece revigorado e quer conversar. Ele vem de um movimento ativista, agora comemorando seu 30º aniversário, quando o chamado New Queer Cinema – dito pela primeira vez por B. Ruby Rich em um artigo histórico do Village Voice em 1992 – estava em ascensão.

O longa de estreia de Haynes, Veneno, uma estreia ainda radical no Festival de Sundance de 1991 que mistura a poesia de Jean Genet com a esquisitice da ficção científica, fez parte dessa onda.

Veneno lançou a carreira de Haynes. Também foi recebido com ira da direita religiosa e estimulou uma conversa sobre financiamento das artes.

Haynes, desde então, passou por uma longa empreitada, sendo indicado ao Oscar em muitos gêneros: o clássico filme sobre doenças (O Mal do Século), o melodrama dos anos 50 (Longe do Paraíso, Carol), o thriller ambiental (O Preço da Verdade). Mas, no fundo, ele foi forjado a partir de um lugar de antagonismo intencional, uma forma de fazer cinema para confrontar e que se formou no início dos anos 1990. Ele ainda tem muito a dizer, e fazer.

Todd Haynes e Julianne Moore no set de “Longe do Paraíso” | CRÉDITO: FOCUS FILMS/EVERETT

ENTERTAINMENT WEEKLY: O que você lembra pessoalmente sobre aquele momento, logo após Veneno, quando, de repente, começou a se enraizar a ideia de um New Queer Cinema?

TODD ​​HAYNES: Eu apreciei totalmente o momento em que estava e o fato de que estava sendo definido como algo novo. Mas eu entendi isso em alguns níveis diferentes. O público gay sempre existiu – provavelmente parte do público de cinema de arte, certo? Mas para os cineastas que foram categorizados como New Queer Cinema, tinha tudo a ver com AIDS, HIV e a crise pela qual estávamos todos passando. Isso colocou um tipo diferente de enquadramento em torno dos filmes que estavam sendo feitos e um tipo diferente de interesse e envolvimento do público.

Como você descreveria esse novo enquadramento?

Acho que estávamos tentando entender um momento muito assustador, uma assustadora falta de reação do governo à AIDS nos Estados Unidos. Sentimos uma urgência. Parecia onipresente, e parecia que estava direcionando os motivos pelos quais fazemos as coisas que fazemos, dando-lhes uma relevância cultural específica.

Esse tipo de pontualidade e raiva foi diferente do que veio antes. Como você descreveria o cinema gay que o inspirou pela primeira vez?

É uma categoria de filmes ampla, rica e complicada. Alguns vieram de Hollywood, alguns do cinema de arte europeu, alguns da cultura Warhol Factory, que John Waters e outros cineastas experimentais estavam interpretando. Então havia Derek Jarman no Reino Unido – estou apenas citando alguns de cabeça que foram muito influentes para mim quando eu estava crescendo e sendo inspirado por muitos trabalhos diferentes. Até os filmes de Gus Van Sant pareciam preceder um pouco esse momento que foi demarcado pelo New Queer Cinema e a AIDS.

O que havia nesse trabalho que te emocionou?

Havia minimalismo erótico despojado diferente em Warhol, mas ainda havia algo fervendo no conteúdo sexual desses filmes e o fato de ser um mundo subterrâneo. Era reflexivo e criativo ao mesmo tempo. E havia muito humor e ironia camp. Eles eram engraçados e ousados, mas podiam atingir diferentes tipos de público em um contexto de filmes da madrugada.

Você ainda se identifica como o jovem que fez Veneno?

Provavelmente, no sentido de que aqueles anos da minha vida foram tão educativos para mim, como pensador, como observador do mundo. Houve essa crise de saúde pública que colocou um punhal no que estava acontecendo no momento e ressaltou a volatilidade, a necessidade de se manifestar.

Você se consideraria um cineasta político?

Sim, no sentido de que estou motivado pelo que está acontecendo no mundo. E eu sinto que há uma interação entre o tipo de história que você pode contar e as atitudes que você pode tomar sobre elas, de formas que podem fazer os espectadores desses filmes pensarem mais sobre si mesmos em relação ao mundo. E que as coisas não são tão boas o tempo todo. Então, dessa forma meio infantil, você pode dizer que sou politicamente motivado.

Quando penso naquela primeira onda de filmes New QueerVeneno, Colapso do Desejo de Tom Kalin, os vídeos Pixelvision de Sadie Benning – há uma real sensação de ousadia visual. Você chamaria esse elemento de parte da nova onda?

Eu estava tão impressionado com o que estava acontecendo no ACT UP e a forma como o ativismo estava sendo remodelado, com base em práticas de direitos civis, mas refletindo absolutamente uma sensação de propaganda, marketing e criação de imagens que era muito estranha. Parecia que estávamos usando todas as nossas habilidades, todas as nossas formas de comunicação e direção.

Todd Haynes e Toni Collette, à esquerda, no set de “Velvet Goldmine” | CRÉDITO: MIRAMAX/EVERETT

Você queria ser visto como alguém que era relacionado a um movimento? Ou como seu próprio tipo de cineasta?

Eu queria ver se as ideias queer poderiam ser extrapoladas de forma mais ampla – se elas podiam ser vistas mais como atitudes sobre o que você fez do que conteúdo. Então você não necessariamente alinharia histórias sobre homens gays com a única coisa que um cineasta gay poderia querer fazer.

O Mal do Século (1995), seu incrível primeiro filme com Julianne Moore sobre uma dona de casa que enfrenta uma doença misteriosa, parece, a princípio, algo bem distante do conteúdo gay. Mas, assistindo agora, é distinto o quanto parece lidar com o ser diferente.

Pode-se argumentar – e eu provavelmente o fiz na época – que O Mal do Século era um filme tão estranho quanto Veneno. Não estava postulando exemplos eróticos ou sedutores na história, mas estava realmente olhando para o tipo de repressão dentro das culturas heteronormativas dominantes e como elas são assustadoras.

Mas também, O Mal do Século realmente falava sobre como a AIDS estava sendo jogada de volta para as vítimas, as pessoas com HIV, como algo que era sua culpa. Alguns dos discursos de recuperação da Nova Era que eu estava encontrando eram duros, não empoderadores, embora dissessem: “Você pode se livrar da AIDS se aprender a se amar mais”. Eu estava interessado nas maneiras pelas quais nós, como seres humanos, nos transformamos na causa do motivo de estarmos doentes.

Ao chegarmos ao filme que o lançou, Longe do Paraíso (2002), você treinou seu público para procurar pela profundidade abaixo da superfície. Esse filme ainda tem algo do new queer cinema?

Trata-se de três pessoas cujos desafios estavam profundamente interligados. Um deles é um marido gay enrustido. Uma é uma mulher que estava lá para – particularmente na década de 1950, mas ainda hoje – manter certas instituições de família e ordem. E então, havia um homem negro que seria objeto de super-projeção por uma sociedade racista que seria intolerante com qualquer proximidade que ele pudesse ter com uma mulher branca. Todas essas três pessoas estavam em uma espécie de emaranhado, e eu adorava melodramas que faziam isso, onde o vilão não era uma pessoa ruim. Era a sociedade.

Eu certamente me inspirei nos grandes diretores clássicos tradicionais de Hollywood que trabalharam com melodrama, como Douglas Sirk, Max Ophüls ou Vincente Minnelli, vários dos quais eram, de fato, gays. Alguns não eram, mas tinham sensibilidade e compreensão sobre esse gênero que fala da vida doméstica, que toca a todos nós. E então [Rainer Werner] Fassbinder, que era um ativista, um europeu militante que decidiu não seguir a direção de cineastas brilhantes como Godard, mas assumir gêneros como melodrama, para falar sobre sistemas sociais. Eu amo isso.

Todd Haynes e Rooney Mara no set de “Carol” | CRÉDITO: WILSON WEBB

Eu penso em obras como Carol ou Mildred Pierce como os filmes “tradicionais” de Todd Haynes, dos quais você às vezes se desvia para obras não domésticas como O Preço da Verdade. Isso é intencional da sua parte?

É, até certo ponto, mas o engraçado sobre Mark Ruffalo vir até mim com esse roteiro em particular – que tem um tema político tão claramente urgente e relevante sobre empresas de energia e químicas como a DuPont – é que era um gênero que eu simplesmente amo: esse tipo de gênero paranoico, eu diria, talvez mais bem descrito pelos grandes filmes de Alan Pakula dos anos 70 [Klute – O Passado Condena, A Trama, Todos os Homens do Presidente]. Quase tudo que Gordon Willis tocava com suas lentes. Eu sinto que esse filme é uma homenagem a Gordon Willis.

Eles chamaram o diretor de fotografia Willis de “Príncipe das Trevas”.

Ah, totalmente. Ele tem tanto interesse em espaços arquitetônicos, espaços interiores, como eles isolam as pessoas, como afastam as pessoas umas das outras e como os denunciantes em geral se encontram tão tragicamente isolados a ponto de suas vidas serem ameaçadas. O era verdade para Robert Bilott em O Preço da Verdade, e era verdade para Woodward e Bernstein em Todos os Homens do Presidente, e é verdade para pessoas que realmente assumem o poder.

Então, O Preço da Verdade foi igualmente pessoal para você?

As pessoas não saberiam disso através dos meus outros filmes, mas esses filmes de Pakula são aqueles que eu assisto obsessivamente e reverencio, de uma perspectiva estética e formal. Eles se alinham, de muitas maneiras para mim, com histórias que tenho contado sobre identidade, quando você está questionando quem você é, quem você sempre presumiu ser e quais são suas liberdades. Quando você não pode mais tomar como certo quais são suas liberdades. Eu acho que é nesse momento que as questões de identidade geralmente surgem.

Falando em liberdades, o jornalista que existe em mim tem que perguntar sobre o seu curta proibido, Superstar, com bonecas Barbie sobre Karen Carpenter, que Richard Carpenter proibiu você de exibir. Em que estágio está? Espero que não se importe que eu pergunte.

Não, eu adoro. Obrigado por perguntar. Há algumas opiniões judiciais por escrito sobre o filme que parecem favoráveis ​. Mas ainda há muito mais trabalho que não tive tempo de fazer, que são anotações documentais sobre o filme e fornecer todas as fontes de informação e assim por diante. Foi exibido algumas vezes, não foi anunciado publicamente, não recebeu qualquer quantia nem qualquer ingresso, de acordo com o pedido de cessar e desistir. Mas foi remasterizado pela UCLA e Sundance há alguns anos, e está tão bonito. Toda vez que vejo agora, penso “Poxa, tenho tanta sorte que temos essa versão por aí”.

Você parece esperançoso.

Sim, vai acontecer. Não estamos trabalhando nisso no momento, mas vai acontecer – vai acontecer.

Dada a retrospectiva de 30 anos, você sente que a situação melhorou quando se trata de representação queer na tela?

Sim, claro. Acho que a AIDS foi um desafio para a sociedade dominante e uma transição que nos levaria – para surpresa de todos – rapidamente a uma era de aceitação em torno da representação gay e da narrativa gay. Isso levaria a coisas como o casamento gay. Mas também acho que talvez tenhamos recuado. Agora estamos vendo grupos nacionalistas brancos de extrema direita que se juntaram a Trump na insurreição um ano atrás, parecendo estar mais focados na cultura trans e nas ideias e ameaças LGBTQ. Isso é surpreendente.

Mas tem havido uma aceitação geral da homossexualidade que eu acho que não se pode negar. Como alguém que foi formado pelo New Queer Cinema, sinto que parte dele foi um pouco prejudicado, algumas das possibilidades políticas em torno da representação e o que isso significa, como ele pode criticar as tendências. Então eu olho para isso com certa ambivalência – do que você abre mão e o que você ganha, em movimentos em busca de aceitação na sociedade.

Esta entrevista foi editada e condensada devido à sua extensão e para maior clareza.

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