Em julho de 2014 a cultura pop foi surpreendida por um filme que trazia, dentre seus protagonistas, um guaxinim e uma árvore, ambos falantes. Os pessimistas esperavam que Guardiões da Galáxia seria o primeiro grande fracasso do Universo Cinematográfico da Marvel, os otimistas diziam que “se a Marvel fizer os Guardiões funcionarem, então eles farão QUALQUER COISA funcionar”.
É com grande satisfação que digo que a segunda opção se provou e temos um filme espetacular, repleto de humor, aventura, uma trilha sonora empolgante e nostálgica, um estilo de edição que já tem “filhos” e personagens cativantes.
Aqui se encontra o ponto da discussão de hoje: O que os personagens de Guardiões da Galáxia representam?
Mas Quem São Eles? (Juro que não é spoiler, tá?)
- Peter Jason Quill, vulgo Senhor das Estrelas. Metade humano, metade não-se-sabe-o-quê – até o segundo filme, no qual a revelação da natureza de Peter é MUITO bem trabalhada –, sequestrado da Terra após a morte da mãe humana, criado por ladrões espaciais, viciado em músicas dos anos 80 e com um bom-humor quase inabalável, o que esconde sua ingenuidade e imaturidade.
- Gamora. Zen whoberiana que, após ver metade de seu povo assassinado por Thanos – o Titã Louco – foi sequestrada e criada por ele para se tornar uma máquina de matar. Nunca partilhou do idealismo do genocida que a criou e, na primeira oportunidade real que tiver, estará pronta para matá-lo.
- Drax, o Destruidor. Viu sua esposa e filha serem assassinadas por Ronan, um kree trabalhando para Thanos e jurou se vingar. A raiva e a vingança são suas principais motivações para seguir vivo, porém, sua moral não permite que ele faça juízo de valor, o que torna suas relações completamente honestas.
- Rocky Racoon. Uma espécie de guaxinim sequestrado por cientistas que fizeram experimentos ilegais em seu corpo, tornando-o algo único. Alimentado por ódio pela impotência do passado, se tornou um caçador de recompensas que gosta de demonstrar superioridade ao quebrar as expectativas de suas vítimas.
- Groot. Uma árvore ambulante que repete a frase “Eu sou Groot” e serve de guarda-costas de Rocky. Tem um coração bondoso e um corpo assustadoramente forte.
E cadê a política no meio disso tudo?
No roteiro do filme de 2014, esses personagens se unem sob circunstâncias nada heroicas e acabam se deparando com uma ameaça em comum: Ronan, um extremista ditador que está atrás de uma joia que lhe dará o poder de subjugar todos os seres daquele canto da galáxia.
Os Guardiões estão em posse dessa joia e precisam decidir o que fazer enquanto são perseguidos por Ronan.
É exatamente neste ponto da história que está a genialidade por trás da fantasia. Guardiões da Galáxia é um constante debate sobre a política e como ela é vista e discutida atualmente nos países democráticos.
Não vou falar sobre respostas certas, partidos ou ideologias com as quais me identifico, vou apenas brincar com as opiniões e atitudes desses personagens tão irreverentes durante o filme e como elas representam muitas pessoas que conhecemos.
Então vamos lá, temos quatro pessoas diferentes discutindo a seguinte questão: Quando se tem conhecimento de que há um poder na mão do povo e sabe-se que um ditador violento está a caminho para tomá-lo, o que fazer?
Começamos com Gamora, que deixa claro que acredita que tal poder deve ser convertido em dinheiro – uma linguagem universal – para que sejam feitas mudanças de dentro do sistema vigente e impedir que a ditadura seja uma ideia remotamente considerada por alguém.
Então temos Drax, que em sua sede por vingança pelo que a ditadura fez ao seu povo, oferece usar o poder para dar o troco na mesma moeda; ou seja, combater ideias violentas com violência.
Passamos para Rocky, que decide dar o poder para quem pagar mais, ficar com o dinheiro para si, deixar que a ditadura se instale contanto que ele se mantenha numa posição superior, de privilégios e benefícios. Afinal, em sua opinião, se o sistema atual permitiu que pessoas horríveis torturassem, assassinassem e saíssem ilesas física e judicialmente desses crimes, então pouco importa quem esteja no poder.
Há, inclusive, um diálogo cômico e extremamente crítico na metade do filme, onde Rocky diz “Dê o poder a Ronan, deixe-o destruir a galáxia […] O que a galáxia já fez por você? Por que você iria querer salvá-la?”.
Ao passo em que o Senhor das Estrelas responde “Porque eu sou um dos idiotas que vive nela!”.
E nesse personagem temos uma visão política mais simplista, ele basicamente acredita que se quem tiver o poder não for destruir o mundo mais do que já está destruído, e não tentar afetar seus negócios, pois bem, que governe.
Não é sem relutar que Rocky se junta aos outros Guardiões para impedir que Ronan consiga a joia. Nesse caso, o bem comum se deparou com uma ameaça real e nociva a 90% do grupo, então não houve um debate com muitos contra-argumentos.
Mas é interessante pensar como temas mais delicados e menos óbvios seriam discutidos por esses personagens. Mais interessante ainda é perceber que eles não estão muito distantes das opiniões que lemos e ouvimos diariamente em redes sociais, programas de rádio, televisão e até mesmo mesas de bar.
O aparente simplismo da sátira está na boca do povo, é opinião e vêm cheio de certezas inconsistentes. A parte mais tragicômica de Guardiões da Galáxia é que essa ameaça está acontecendo constantemente em todos os países onde a democracia existe.
O grande antagonista está à espreita no mundo real na forma de políticos cada vez mais em evidência.
Precisou a galáxia ficar ameaçada por um extremista que prometia a soberania de um só povo – com uma única cultura, cor e crença – para que pessoas diferentes aprendessem a se respeitar e se unissem para combater o que faz mal.
O que vai precisar acontecer para que nós façamos o mesmo?