Artemis Fowl: depressão pós trailer

Se assim como eu, você é fã de Artemis Fowl, você provavelmente está esperando por uma adaptação dos livros para as telonas há mais de 10 anos.

E, se assim como eu, você assistiu ao trailer mais recente dessa adaptação, as garras geladas do medo já se instalaram no seu coração com firmeza.

O primeiro teaser já levantou alguns alertas vermelhos, mas esse novo trailer chegou para acabar com qualquer esperança de todos os fãs da série de livros.

Livro X Adaptação

Já ficou bem claro que de adaptação a película não tem nada, sendo extremamente generosa, é, no máximo, livremente baseada na história que tanto amamos.

E é exatamente por isso que provavelmente vai ser apenas mais um desperdício de uma história incrível que é totalmente modificada sem motivo algum antes de ir para o cinema.

Artemis Fowl segue as aventuras de um garoto de 12 anos que é um gênio do crime. Artemis descobre que fadas são seres reais e, com a ajuda de seu guarda-costas, Domovoi Butler, sequestra uma delas, Holly Short, com o objetivo de conseguir uma grande quantidade de ouro por seu resgate para restaurar a fortuna de sua família, que está em risco desde que seu pai, também criminoso, sumiu em uma viagem ao Ártico.

Apenas pela sinopse já fica óbvio que Artemis inicia sua jornada como o antagonista da história.

Seu arco durante os livros é um de redenção, onde Artemis vai perceber que sua inteligência e fortuna não fazem dele uma pessoa melhor do que as outras e também não são as coisas mais importantes.

A série de livros é extremamente cativante, engraçada e espirituosa, com uma trama bem pensada e muito diferente que não deixa pontas soltas.

A história é uma mistura de comédia, fantasia, ação, thriller policial e de espionagem que não deveria funcionar, mas funciona.

Apesar de ser mais voltada para um público infantil, principalmente no primeiro livro, a história vai crescendo junto com sua audiência e é tão gostosa de ler que sempre a recomendo para pessoas de todas as idades.

O principal em Artemis Fowl

Ferdia Shaw em Artemis Fowl: O Mundo Secreto (2020)

O ponto central de toda a história e o que move a trama é a jornada de Artemis indo de vilão a herói.

Ele sequestra uma fada e quer se aproveitar de seu povo com o objetivo de conseguir dinheiro; ele não faz nada sem saber que vai conseguir algo em troca; ele é um menino rico e mimado, só usa ternos feitos sob medida e a ideia de realizar qualquer tipo de esforço físico, por mais simples que seja, é abominável para ele.

Artemis está sempre no controle das situações, é ele quem sabe o plano e conhece todas as peças do jogo. Os adultos ao seu redor apenas seguem o que ele diz e vão entendendo o que está acontecendo conforme Artemis revela tudo o que sabe na medida em que acha necessário.

Ele está sempre um ou dez passos a frente da maioria que geralmente o subestima. Seu pai sempre foi uma figura distante e fria, o que fez com que Artemis absorvesse muitas de suas características.

A única pessoa por quem ele demonstra mais afeto é sua mãe, Angeline, que se desligou da realidade desde que o marido sumiu e agora está aos cuidados de Artemis.

A relação entre Artemis e Angeline e a gentileza e amor que ele demonstra com ela são os primeiros sinais que temos da verdadeira essência de Artemis, que vai ficando cada vez mais proeminente ao longo dos livros e é absolutamente linda de acompanhar.

Mas a melhor parte da história fica por conta do relacionamento entre Artemis e Holly, a fada que ele sequestra.

Essa é a principal dinâmica de todos os livros e é exatamente o que vai levar Artemis de um extremo ao outro. Ao contrário do clichê da mocinha que salva o mocinho de si mesmo, Artemis tem que lutar muito para conseguir a confiança e o perdão de Holly após o sequestro.   

Holly é uma oficial da LEP, o equivalente a polícia das fadas, e leva seu trabalho muito a sério, o que significa que ela não tem a menor paciência ou empatia por criminosos como Artemis.

O fato de Artemis ter sequestrado Holly é algo que é sempre tratado com muita seriedade pela história, nunca é mostrado como algo sem importância ou consequências.

Holly sempre deixa bem claro a gravidade da violação que Artemis cometeu com esse ato, e é apenas depois de muito esforço e várias provas de caráter que Artemis consegue o perdão sincero de Holly.

A jornada de ambos, de inimigos absolutos para melhores amigos, é provavelmente uma das mais bem escritas que já vi.

Ver como Artemis vai de uma das pessoas que Holly mais despreza para uma das pessoas mais importantes de sua vida e naquela em quem ela mais confia, foi uma das experiências mais lindas que já tive ao ler um livro.

O arco de Artemis é um de redenção e autodescobrimento. As revelações para ele não vêm de fora e sim de dentro.

Créditos Finais

De acordo com o trailer, o filme vai pegar tudo isso e virar de cabeça para baixo em todos os sentidos.

Agora, Artemis continua sendo um milionário, mas no geral é um garoto comum, curioso e ativo.

Ele surfa e pratica luta de espadas com seu pai amoroso, um colecionador famoso que descobriu a existência do mundo das fadas e acabou sendo sequestrado por uma delas por causa disso.

Portanto, Artemis vai ter que armar um plano heroico para salvá-lo e terá a ajuda de Holly, que agora é sua aliada desde o início.

A fala do pai sobre Artemis ser tudo o que ele tem me leva a crer que Angeline provavelmente está morta nessa versão, o que significa que todo o seu relacionamento com ela será totalmente descartado.

Inverter e ressignificar tudo o que torna a história e seus personagens tão incríveis e únicos é eliminar a essência dos livros e da mensagem que querem passar, significa invalidar por completo todo o arco de Artemis, atribuindo a ele a jornada clássica e genérica do herói que já foi representada a exaustão.

Consequentemente, significa também alienar e espantar toda uma legião de fãs dos livros que seria o público principal desse filme, mas que agora provavelmente vai se manter bem longe.


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Melissa Piroutek

Tradutora e cineasta formada em cinema pela Faculdade Anhembi Morumbi desde 2010. Apaixonada por cinema desde criança, sócio-proprietária, produtora, diretora e roteirista da produtora independente Best Team Productions.

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